domingo, 6 de março de 2016

O SENHOR MARTINS (inédito)

                     
               Na minha puberdade acabei por  me cansar das leituras que me entretinham as longas horas das férias: Júlio Verne, Salgari, Walter Scott, os contos do Conan Doyle. 
                  Agatha  Christie ainda me ajudou um pouco a alargar os meus horizontes de jovem curioso e insatisfeito. Mas foi por pouco tempo.
                 Portugal era um país triste e assustado, encerrado numa cortina de ferro que a ditadura procurava manter a todo o custo. Eu queria olhar para lá do horizonte, conhecer mundo e responder ao estampido das hormonas que me afogueavam as labaredas da minha curiosidade.
            Foi este desejo de conhecer mundo através dos livros - nessa altura em Portugal não havia outra possibilidade -  que mais uma vez entrei na única livraria de Leiria e expus  ao proprietário esta ambição que me torturava os dias.
               Ele olhou-me através das suas lentes grossíssimas e após pensar um pouco escolheu um livro que iria mudar a minha vida: "Olhai os Lírios do Campo" de Erico Veríssimo, um exemplar que  hoje, passados 60 anos, ainda tenho comigo.
                Este homem que se tornou o meu mentor cultural e que alterou a minha mente através dos livros que ia escolhendo para mim, chamava-se Martins. O senhor Martins 
                 Há dívidas de gratidão que não se conseguem pagar nunca.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

CAGAR SÓ FORA DO COMBOIO (inédito)









                                              CAGAR SÓ FORA DO COMBOIO


           O avô António era um viúvo taciturno, magoado com a vida, e talvez por outras razões minhas desconhecidas. Dele sabia que tinha combatido na 1ª guerra mundial, estivera na Flandres, sobrevivera ao tifo, à tuberculose e ao gás mortífero dos alemães que desfazia os pulmões. Não sofreu uma beliscadura física. Psicológica, não duvido, já que ninguém sai incólume da guerra.
          De vez em quando, falando sozinho com quem interpela os seus fantasmas, referia-se à guerra em duas ou três considerações telegráficas. Desses curtíssimos solilóquios, lembro-me, pelo seu inusitado, ter-se referido à viagem de comboio de Portugal até França.
         - O comboio não parava - dizia perscrutando o silêncio à sua frente -. Quando queríamos cagar, íamos para o fim da carruagem, abríamos a porta, púnhamos o cu de fora e aliviávamos os intestinos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O ENIGMA DA PERNA ENGESSADA (ninharia inédita)











                                  Nas longas férias de Verão nos anos cinquenta, a vida dos adolescentes era um tédio sufocante. Puxávamos pela imaginação e pelo disparate para fazer correr o tempo. Certo noite, um de nós convenceu o Liberman a roubar o carro ao pai e irmos dar uma volta, apesar de nenhum de nós ter carta.
               Já perto da Marinha Grande - a 10 km de Leiria - o Liberman despistou-se na sua insipiente codução e bateu violentamente contra um pinheiro, desfazendo a frente do carro.
              Alucinado, saiu para ver a tragédia automobilística, e entendeu pontapear com toda a força o pinheiro, até que um de nós o impediu de continuar naquela doideira.
            Faltou no dia seguinte às aulas e quando apareceu vinha com uma perna toda engessada.
          Ainda hoje estou sem saber se aquilo resultou do choque ou da violência dos pontapés.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

AS LÁGRIMAS DO AVÔ ANTÓNIO




                Meu avô António, depois de ter enviuvado, jantava em casa de meus pais. Era um velhinho encerrado num luto espesso, mirrado e soturno, talvez feridas psicológicas da batalha de La Lys, donde saiu sem uma mazela e de pulmões direitos.
          Lembro-me bem dele a comer à minha frente enquanto ouvíamos as notícias na Emissora Nacional da tomada de Diu, Damão e Goa, ordenada pelo primeiro ministro indiano Pandita Nehru. Era Dezembro de 1961. A reportagem era acompanhada por discursos afogueados e pelo entoar categórico do hino nacional por um povo enredado na propaganda salazarista.
                Meu avô chorava, refugiado em silêncio. Via-lhe as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto e a caírem no prato. O repúdio público pela invasão indiana repetiu-se por mais uns dias, com meu avô a reagir com o mesmo silêncio dorido e as mesma lágrimas.
          Na verdade eu estava-me marimbando para que Portugal ficasse sem aquelas três possessões na Índia, restos de um Império Colonial que principiava a desmoronar-se. O que eu não perdoava ao Pandita, isso é que não, é que ele levasse meu avô António às lágrimas. Custa muito ver um velho frágil e nosso a chorar.



sábado, 6 de fevereiro de 2016

AL-23-09

       
 
 
                 O primeiro e único automóvel de meu pai era um Opel Record, mudanças ao volante, 2000 cc., matrícula AL-23-09. Era um luxo ter um carro assim. Aliás, durante a penúria  do salazarismo, possuir um automóvel era coisa rara além de ser encarado como forma de ostentação.
           Era minha irmã Olga que o conduzia e não posso dizer que ela fosse propriamente dotada  para as artes da condução. O que me ficou desses tempos das curtas viagens no Opel foram os avisos nervosos directos à condutora para ter cuidado com isto e com aquilo.
          Nas descidas prolongadas, minha irmã era aconselhada por meu pai a meter o ponto-morto ou até a desligar o motor. A circunstância merecia dele o tradicional comentário de satisfação:
               - Agora roubamos nós o Salazar.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

MENINAS ADOENTADAS

 
 
 
 
 
                  As mulhere são e continuam a ser um grande mistério para mim. Tudo isto terá começado quando pela 1ª vez -tinha eu 15 anos - os alunos do meu liceu se puderam sentar com as raparigas na mesma sala. Como eu fazia quase sempre figura de corpo presente, alheado do que o professor ia debitando, entretinha-me a divagar  ou a reparar no pouco que ia acontecendo à minha volta.
                  Não pude deixar de notar, então, que algumas vezes uma ou outra colega se dirigia à professora e, sussurrando, pedia para sair, regressando dali a longos minutos. Aquilo fazia-me espécie. E nem fiquei esclarecido, antes pelo contrário,  quando uma certa vez a professora tentou justificar a saída da aluna com esta informação enigmática: "Está adoentada". Estranha maleita pensava eu, intrigado com uma doença que se curava em poucos minutos. E pensava cá para mim que tinha umas colegas de saúde frágil.
              Só uns anos mais tarde é que vim a saber que se tratava do famigerado e odiado p.m., "doença"(!) que ataca as mulheres e as põe de fígados azedos todos os meses.
       Mas ainda hoje me lembro daqueles episódios longínquos na sala de aula, sempre que ouço aquela afirmação, mesmo que se trate de alguém que já entrou no reino pacífico (ou não!) da menopausa.
 
 
           
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 30 de janeiro de 2016

A ESPOSA DO SENHOR REITOR



                                                       A ESPOSA DO SENHOR REITOR

             O senhor reitor era o senhor reitor. Soleníssimo, sisudo e autoritário. Cinzentão também, imitação menor de Salazar. Chamava-se Amilcar P. Nós, os alunos, temíamo-lo como à peste. À sua passagem levantávamo-nos, movidos pelo respeito e um certo temor.
             Mas a esposa do senhor reitor era o seu lado inebriante e solar. Falo-vos de uma deusa terrena e apetecível. Elegantíssima, trajava uma saia justa, um pouco acima do joelho, violando as regras do bom tom. Dos seus olhos verdes derRamava-se uma luz irrepetível, aureolada por uma farta cabeleira loira, que caía às ondas sobre os ombros.
               E eu, derreado pela beleza torrencial daquela cariátide lusa, sonhava com ela, à noite, revolvendo-me na cama. E fazia com ela um amor puro, infinito e caudaloso, isento de pecados e moralidades. Despia-a lentamente, beijava-lhe o aroma da pele branca e o segredo dos seios,  transtornado pela nascente caudalosa das coxas.
             Acreditei amá-la para sempre, na ignorância de que, como escrevia Vinícius, o amor é eterno enquanto dura.
           Chamava-se a minha deusa E. Contudo, para mim, sempre foi a esposa do senhor reitor.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

A MORTE NA PONTA DA CORDA





                                                           A MORTE NA PONTA DA CORDA



             Toda a cidade estranhou  que o sr. Flávio B. fosse casar. Conheciam-se-lhe os gestos amaricados, a roupa a fugir do convencional salazarista e eclesiástico, e fundamentalmente o facto de nunca ter tido namorada, apesar de já ter virado há muito os 30 anos. Entre nós, adolescentes de sangue na guelra, a etiqueta estava colada na testa do sr. Flávio -  era paneleiro.
              Filho único de um abastadíssimo comerciante de panos e flanelas italianas, sofrendo a pressão autoritária do pai para se casar  afim de ter descendência a quem deixar o negócio, o sr. Flávio - não duvidávamos - ia casar contra a sua vontade e contra a sua natureza. De casamento marcado na sé de Leiria, com cerimónia presidida pelo sr. bispo, aguardava-se o estadão propiciado pela riqueza do pai do noivo.
         Todas as nossas poucas dúvidas terminaram quando o sr. Flávio se enforcou em casa, dois dias antes da boda. O curioso ou não, é que neste acontecimento não consigo recordar quem era a noiva




   


domingo, 24 de janeiro de 2016

O GALADOR



                                        


                                                 o galador

                 Na cidade de Leiria toda a gente sabia que o sr. Ramalho G. era um galador. Não resistia a uma mulher e elas, apesar de o saberem casado e pai de três filhos, deixavam-se ir nas notas melodiosas da canção do bandido. É que ele não tinha apenas a figura inebriante do Cary Grant - onde não faltava o bigodinho - além de que era de uma simpatia e gentileza cativantes, não se fazendo rogado a desembolsar notas para seduzir a pretendida.
                       A esposa procurava manter um dignidade a toda a prova, fingindo ignorar a traição que  acontecia nas suas costas. Mas definhava de dia para dia e as suas únicas  saídas de casa tinham a ver com a obrigatoriedade da missa e os afazeres na igreja de Santo Agostinho.
         Até que um dia um vulcão implodiu a cidade quando se soube que ela fora  encontrada na cama com um jovem carpinteiro, afilhado do marido. Eu, um rapaz a iniciar-se na adolescência e a colocar-se nas trincheiras da contestação, rejubilei. Porém, para meu grande espanto, a cidade atirou-lhe os cães do  ódio e ela passou a ser designada por "a putarrona". Não lhe perdoaram a ofensa aos cânones da moralidade tradicional, que esta nem o marido beliscou.
              E foi com merdices deste cariz que fui crescendo e percebendo o mundo complicado e sinuoso do ser humano.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O ANJINHO NO CAIXÃO











                                                            O ANJINHO NO CAIXÃO

               O ar saturado de humidade e um odor a mijo de ratos mal me deixavam respirar. O casebre, enfiado sob um pequeno declive mesmo no centro de Leiria, era iluminado por uma única porta escancarada e pelas velas mortuárias que rodeavam o pequeno caixão - branco e com debruns dourados. No esquife jazia um corpo de bebé. Era um anjinho. Naqueles anos 50 a tuberculose andava à solta como nunca e na ceifa desenfreada levava os mais frágeis: os pobres e os filhos dos pobres.
              Não consegui ficar ali por muito tempo, agoniado pelo cheiro, pela miséria paupérrima e pelo carpir dorido. Levava na retina a imagem daquele caixão.
               Foi só muitos anos mais tarde que percebi a naúsea que me provocavam as mobílias brancas com debruns dourados -estilo Luis XIV - e que estiveram na moda nos anos 80. Arrepiavam-me.
           Regressar ao passado não é uma forma de saudade ou infantilização, mas sim um amadurecimento. O passado deve ficar onde está.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

OS CHATOS

                                             

                                                     

                                                                       OS CHATOS

           Nenhum de nós podia adivinhar que aquilo não passava de um tique. Foi no 7º ano (actual 10º) que um novo professor se apresentou para nos dar OPAN - uma disciplina que não era mais do que propaganda do regime salazarista.
        Tímido, quase sem barba na pele glabra, a sua juventude levou a contínua a barrar-lhe o caminho quando ele entrou pela 1ª vez no anexo do liceu -uma divisão do quartel de Infantaria 7 -onde os mais velhos tinham aulas. Julgou tratar-se de um aluno.
             Na verdade, o nervosismo do professor coagia-o a um tique repetido e malfadado: coçar o baixo-ventre, num movimento rápido de dedos que nós, machos implacáveis com o cérebro cheio de testosterona e malandrice, interpretávamos como sendo "uma camada de chatos". Pior ainda, o gesto daquele desamparado professor, provocava o riso que nós forçávamos, reconhecendo-lhe a insegurança.
          Já no 2º período, quando o tique acabou por desaparecer porque ele próprio - isto penso eu hoje- se foi sentindo mais confiante, acreditámos que o professor andava a fazer um tratamento aos chatos que passava por abundantes semicúpios com enxofre diluído em água quente. Digamos que era uma espécie de sulfatagem

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O MILAGRE NA COVA DA IRIA









                                                  O MILAGRE NA COVA DA IRIA

            Minha mãe, apenas com seis anos, assistiu ao chamado milagre do sol a dançar no céu. Foi a 13 de Outubro de 1917 e ela era uma das humílimas pessoas presentes no local. Tornou-se uma devota insuperável da Senhora de Fátima.
            Quando atingi a adolescência e passei a colocar tudo em causa, não me ocorreu outro argumento que não fosse achar aquele fenómeno atmosférico e de histeria colectiva como obra dos marcianos e dos discos voadores.
      Minha mãe surpreendida com o disparate admoestou-me:
     - Ora, ganha juízo.
       Durante toda a minha vida quando tive que tomar algumas decisões com algum risco e cheguei até a defender o indefensável, ouço minha mãe a sussurrar-me ao ouvido aquela admoestação.
Porém, só me arrependo de não ter tomado as decisões que se me impunham e que na altura não soube valorizar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

A ILHA DOS AMORES










                                          A ILHA DOS AMORES


             No meu liceu dos anos 50, requisitar um livro era penetrar a Ilha dos Amores dos Lusíadas. É que a biblioteca - se é que se pode chamar biblioteca a um armário com meia centena de livros - ficava na sala dos professores e esta no 1º andar.
           Este espaço era ocupado exclusivamente por alunas e rigorosamente vedado aos alunos. Esta proibição sofria uma rara excepção quando algum rapaz pretendia requisitar um livro como era o meu caso, leitor esfomeado como sempre fui. Depois de pedir autorizalção ao contínuo que estava de plantão às escadas, subia até ao 1º andar onde me esperavam  ninfas perfumadas, sedentas de trocas de olhares e recatados sorrisos. Eu sentia-me um  sedutor Errol Flynn (o galã da época, vulgo Enrola o Filme), pronto a engatar o jovem mulherio.
              Contudo não tardou que alguns dos meus colegas passassem a fazer-me companhia nas idas até à Ilha dos Amores. À minha conta nunca se requisitaram tantos livros. Se eles os leram, não sei nem interessa. O que nos movia - e a mim também além da grande paixão pela leitura - era o estampido das hormonas. E eu pressentia nas ninfas o mesmo desassossego.





terça-feira, 12 de janeiro de 2016

FALTA DE PESO

                           
                       



                                                     FALTA DE PESO

            Em pleno inverno, a austera e solteirona professora Ofélia C. começava a sofrer de inesperados calores. Afogueava-se-lhe o rosto, retirava o cachecol do pescoço, despia o casacão, abria um pouco o decote da blusa. Com uma folha fazia um leque improvisado com que se abanava repetidamente. A mulher parecia arder por dentro. Minutos depois voltávamos a ver o mesmo filme, desta vez em marcha-atrás.
          Para nós, uns ignorantões destes dramas femininos, eram momentos de galhofa. De facto, cheios de frio nas carteiras, olhávamos todo aquele strip-tease com o pasmo dos estúpidos. Porém, o Titú, um moinante de alto coturno, mais velho do que nós dois anos e que já tinha ido às putas - o que lhe dava outro estatuto - garantiu com a convicção dos sábios:
         - À Ofélia o que lhe falta é peso.
        A verdade é que ainda hoje, quando vejo uma mulher com aqueles sinais da menopausa, não consigo deixar de pensar na afirmação do Titú. Há coisas do passado que se colam a nós irremediavelmente 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

O SENHOR PADRE ADÉLIO

                                         



                               O SENHOR PADRE ADÉLIO

        Tive explicações a Latim com osenhor padre Adélio que morava nos arrabaldes de Leiria, onde é agora o estádio municipal.
           As explicações tinham lugar bem ao final da tarde na cozinha onde cirandava uma velha criada a lavar a louça. O padre ceava cedo por causa da missa da manhã seguinte, por volta das 7. A explicação decorria com amenidade e paciência católicas, com o padre a soltar breves arrotos e a entregar-se a chupadelas de dentes. Nunca me pediu desculpa pela deselegância dos sons.
           Preocupava-o sim, a velha criada. Na sua movimentação de formiguinha ladina, ela soltava uns traques sonoros, como disparos breves de metralhadora. E o padre, numa tentativa cómica de camuflagem, arrastava a cadeira e pigarreava.
              Apesar destes circunstanciais escolhos, ainda hoje gosto de latim,- que cheguei a utilizar nas falas de algumas personagens dos meus contos e romances - embora por vezes ainda me venham à memória os sons da metralhadora intestinal.
                               
                                                alliud alic vitio est (cada um tem os seus defeitos)

Noémia

                                                 




             NOÉMIA

                 Por força da ordem alfabética, a Noémia teve que se sentar a meu lado na sala de aula. Era o início do ano lectivo de 1958 do 6º ano (actual 10º). No nosso percurso escolar ( e de todos os alunos), a moral salazarista impunha que não houvesse turmas mistas. Era a 1º vez que tinha uma colega sentada junto de mim, partilhando a mesma carteira. Eu já a conhecia de longe. Estudávamos no mesmo liceu, ela no 1º andar reservado às meninas, que isto de misturas de sexos pode significar juntar a fome com a vontade de comer. Ou chegar o fogo à palha. Como quiserem.
            A Noémia exibia uma pele branca, imaculada, uns olhos verdes luminosos, um cabelo loiro que caía sobre os ombros e um sorriso capaz de amansar o Adamastor. De mais nada me lembro daquela primeira aula nem das outras que se seguiram. Só sei que em dada altura, ela sussurrou-me ao ouvido:
         - Não tens um lápis a mais? Partiu-se-me o bico.
          Sem hesitar, cedi-lhe o meu.
          Ainda hoje gosto que as mulheres me sussurrem ao ouvido. 

A PROFESSORA DE GEOGRAFIA

                  A PROFESSORA DE GEOGRAFIA
        Naqueles tempos cinzentos dos anos 50, a jovem professora de Geografia era a  luz que iluminava a minha recém adolescência. Na exposição da matéria, e talvez sem o saber, ela meneava-se como deusa do erotismo e da tentação.
        Na carteira, eu sufocava, excitado pelos seios redondos, a cintura bem marcada e uma coxas olímpicas que se prolongavam numas pernas perfeitas. Era um tempo em que, graças a Deus, as mulheres usavam saias - e professora tinha-as acima do joelho, o que era desafiador -, meias de seda e sapatos de tacão alto. Durante décadas e sempre que atravessava fronteiras geográficas, eu lembrava-me daquela professora. Sempre gostei muito de Geografia.

A TIA FILÓ

 A TIA FILÓ

A tia Filó estava quase cega por causa dos diabetes. Era gulosa, perdia-se por bolos, especialmente bolas-de-berlim afogadas em açúcar branco.
Depois de examinar-lhe os olhos, o médico sentenciou com rudeza: "Ficas proibida de comer bolos e passar a tarde na pastelaria para não te tentares." Era um tempo antigo em que os médicos tratavam os doentes por tu.
A Tia Filó continuou a ir para a pastelaria, mas fica do lado de fora a observar a montra. E tapa o nariz firmemente  por causa das tentações odoríferas. Como respira pela boca, parece um peixe desesperado fora de agua

domingo, 10 de janeiro de 2016

MARRAQUEXE

MARRAQUEXE

           Meu pai tinnha uma imensa mercearia saturada dos odores mais estanhos.
De cada vez que eu lá entrava, imaginava-me - e não sei porquê -
no mercado em Marraquexe, embora nunca lá tenha estado,
isto é nem nem no mercado nem em Marraquexe.
             Hoje, muitos anos depois de meu pai ter fechado a loja - foi o aparecimento dos supermercados, tenciono visitar Marraquexe.
Meu pai havia de gostar. Pode ser que o lá enontre